POR LUIZ GUILHERME PIVA
1.Foi Corinthians
O Corinthians acabou.
Nem Nostradamus nem os Maias previram; e nem poderiam, dado que o Corinthians segue existindo.
Por isso, tampouco os oráculos contemporâneos percebem a extinção – e mesmo poucos historiadores (profetas do pretérito) futuros saberão anunciá-la.
É que o Corinthians que acabou, a despeito da continuidade do nome, da instituição e da torcida, é o invisível, o intangível – dotado, porém, de sabores, cheiros e sons que (assim como em tudo o que existe) constituíram sua identidade no tempo e no espaço.
Não se trata de melhor ou pior.
Outros times já acabaram da mesma forma e ninguém percebeu, porque seguem aí, vencedores ou perdedores, disputando partidas e campeonatos.
Há, até, times que acabaram de fato, como instituição, sede, elenco, CNPJ, camisa e quase toda a torcida, mas seguem ocupando seu escaninho no leque de identidades que abrimos quando pensamos em times de futebol.
Trata-se de ver o que não mais existe dentro do que segue existindo.
O Corinthians que segue por aí, cujo advento se configurou nos últimos anos, é o time estável, seguro, sem derrotas trágicas nem vitórias cardíacas, senhor da tática e do resultado, capaz de lancetadas cirúrgicas e frias nos adversários, bem-sucedidas e entediantes como o são os procedimentos protocolares dos grandes médicos.
É o time sem ídolos ou vilões irascíveis, sem personagens folclóricos, sem craques e pernas-de-pau lendários, sem gols chorados em cima da hora (nem contra nem a favor), sem o sentimento de fatalidade, sem missão, sem o oco que move à voracidade maior do que a temperança (faca só lâmina), sem expiação, sem milagres, sem purgatórios, pragmático, iluminista, blasé sincero.
A torcida – que, aliás, é parte constitutiva da identidade histórica do time – não mudou, e quando vemos o Corinthians vemos também, e sobretudo, a torcida, o que dificulta vislumbrar sua extinção.
A torcida mesma, quando olha o campo, a camisa, os gols e as conquistas e desfruta da merecida felicidade que este outro time lhe proporciona, não vê senão o Corinthians que ela tem em mente, do qual ela faz parte.
Falta-lhe distanciamento. É ela em campo, na arquibancada e nos pódios. Seria pedir demais que visse que os onze que jogam formam um time que não é aquele que ela forjou.
Ninguém vê nem sequer as mudanças pequenas e grandes que experimenta a todo momento.
Vai querer que veja seu próprio fim?
O Corinthians acabou.
Viva o Corinthians!
2. Vai, Túlio!
Eu, se fosse o Túlio, pararia assim que marcasse o nongentésimo nonagésimo nono gol.
Por marketing, que ele tanto valoriza, porque seria mil (ou novecentos e noventa e nove) vezes mais interessante e memorável do que cair na vala comum dos mil gols contestados e diminuídos por quase todos.
Mas por outra razão, que, para mim, é mais importante.
Seria como parar o tempo. Deixar suspensa a conclusão das realizações que me movem.
Que outra coisa é o tempo senão construir uma obra, aperfeiçoá-la até que nos pareça perfeita, depois olhá-la, suspirar orgulhoso e dizer “parla!” e então, só então, seja velho ou seja novo, morrer?
O Túlio impôs-se a obra dos mil gols. Está perto de concluí-la. Deve saber que, mesmo que fisicamente viva (tomara) muitos anos a mais, sua vida terá terminado ali.
Seu tempo terá expirado.
Eu faria o 999º gol e pediria substituição.
Sem foto, sem volta olímpica, sem declarações.
Assim como pararia o relógio a meio segundo da meia-noite de hoje.
Para evitar que o ano novo, um segundo depois, se torne velho. Para que seja, ao estar sempre por vir, inesgotavelmente novo.
Mas não tem jeito.
Vai dar meia-noite, duas horas, agosto, 2014 e um dia todos os meus anos terão virado anos velhos.
Assim como o Túlio não conseguirá evitar: vai fazer seu 1000º gol.
E esse gol, hoje uma estrela-guia cada dia mais viva e mais nova, se tornará, como todos os outros 999, um gol velho, conhecido, bússola de um caminho já percorrido.
Ele, nem ninguém, para na véspera do fim de seu tempo.
Então: feliz gol velho, Túlio
1.Foi Corinthians
O Corinthians acabou.
Nem Nostradamus nem os Maias previram; e nem poderiam, dado que o Corinthians segue existindo.
Por isso, tampouco os oráculos contemporâneos percebem a extinção – e mesmo poucos historiadores (profetas do pretérito) futuros saberão anunciá-la.
É que o Corinthians que acabou, a despeito da continuidade do nome, da instituição e da torcida, é o invisível, o intangível – dotado, porém, de sabores, cheiros e sons que (assim como em tudo o que existe) constituíram sua identidade no tempo e no espaço.
Não se trata de melhor ou pior.
Outros times já acabaram da mesma forma e ninguém percebeu, porque seguem aí, vencedores ou perdedores, disputando partidas e campeonatos.
Há, até, times que acabaram de fato, como instituição, sede, elenco, CNPJ, camisa e quase toda a torcida, mas seguem ocupando seu escaninho no leque de identidades que abrimos quando pensamos em times de futebol.
Trata-se de ver o que não mais existe dentro do que segue existindo.
O Corinthians que segue por aí, cujo advento se configurou nos últimos anos, é o time estável, seguro, sem derrotas trágicas nem vitórias cardíacas, senhor da tática e do resultado, capaz de lancetadas cirúrgicas e frias nos adversários, bem-sucedidas e entediantes como o são os procedimentos protocolares dos grandes médicos.
É o time sem ídolos ou vilões irascíveis, sem personagens folclóricos, sem craques e pernas-de-pau lendários, sem gols chorados em cima da hora (nem contra nem a favor), sem o sentimento de fatalidade, sem missão, sem o oco que move à voracidade maior do que a temperança (faca só lâmina), sem expiação, sem milagres, sem purgatórios, pragmático, iluminista, blasé sincero.
A torcida – que, aliás, é parte constitutiva da identidade histórica do time – não mudou, e quando vemos o Corinthians vemos também, e sobretudo, a torcida, o que dificulta vislumbrar sua extinção.
A torcida mesma, quando olha o campo, a camisa, os gols e as conquistas e desfruta da merecida felicidade que este outro time lhe proporciona, não vê senão o Corinthians que ela tem em mente, do qual ela faz parte.
Falta-lhe distanciamento. É ela em campo, na arquibancada e nos pódios. Seria pedir demais que visse que os onze que jogam formam um time que não é aquele que ela forjou.
Ninguém vê nem sequer as mudanças pequenas e grandes que experimenta a todo momento.
Vai querer que veja seu próprio fim?
O Corinthians acabou.
Viva o Corinthians!
2. Vai, Túlio!
Eu, se fosse o Túlio, pararia assim que marcasse o nongentésimo nonagésimo nono gol.
Por marketing, que ele tanto valoriza, porque seria mil (ou novecentos e noventa e nove) vezes mais interessante e memorável do que cair na vala comum dos mil gols contestados e diminuídos por quase todos.
Mas por outra razão, que, para mim, é mais importante.
Seria como parar o tempo. Deixar suspensa a conclusão das realizações que me movem.
Que outra coisa é o tempo senão construir uma obra, aperfeiçoá-la até que nos pareça perfeita, depois olhá-la, suspirar orgulhoso e dizer “parla!” e então, só então, seja velho ou seja novo, morrer?
O Túlio impôs-se a obra dos mil gols. Está perto de concluí-la. Deve saber que, mesmo que fisicamente viva (tomara) muitos anos a mais, sua vida terá terminado ali.
Seu tempo terá expirado.
Eu faria o 999º gol e pediria substituição.
Sem foto, sem volta olímpica, sem declarações.
Assim como pararia o relógio a meio segundo da meia-noite de hoje.
Para evitar que o ano novo, um segundo depois, se torne velho. Para que seja, ao estar sempre por vir, inesgotavelmente novo.
Mas não tem jeito.
Vai dar meia-noite, duas horas, agosto, 2014 e um dia todos os meus anos terão virado anos velhos.
Assim como o Túlio não conseguirá evitar: vai fazer seu 1000º gol.
E esse gol, hoje uma estrela-guia cada dia mais viva e mais nova, se tornará, como todos os outros 999, um gol velho, conhecido, bússola de um caminho já percorrido.
Ele, nem ninguém, para na véspera do fim de seu tempo.
Então: feliz gol velho, Túlio