Jogador infiltrado: Na várzea, salário vem em envelope. E você não pode abrir no vestiário
Quando o UOL Esporte mergulhou no universo do futebol de várzea, percebeu uma coisa: as pessoas eram atenciosas, falavam com prazer com a reportagem, mas sempre evitavam alguns assuntos. Quanto, de verdade, os jogadores ganham? Como é a relação entre os jogadores e os treinadores? As torcidas têm poder?
Para responder a essas, e outras, perguntas, o Papo de Várzea encontrou um espião. Ele é um veterano do futebol amador que aceitou contar aquilo que a pessoas tentam esconder. A cada mês, um tema novo!
Na várzea, salário vem em envelope. E você não pode abrir no vestiário
No futebol de várzea, salário vem em um envelope lacrado, com o seu nome e uma instrução: “Não abra no vestiário!” Tem gente que não sabe, mas a maioria dos jogadores de várzea recebe algum para entrar em campo. O valor depende do nível. Começa com R$ 10,00, só para ajudar no combustível. Pode chegar até a R$ 300,00 por jogo. Termina a partida, você toma seu banho e o cara envelope já está lá com o seu. E ninguém abre. Alguns recebem mais, outros menos. Alguns nem dinheiro recebem. E é um problema: já ouvi muita gente falando “você que recebe, vai lá e resolve”. Acontece.
Mas o dinheiro de verdade está na assinatura. É assim que a gente chama quando troca de time. É como a luva do futebol. Os times pagam um bônus para você disputar a competição por eles. Os mais visados levam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Os que arrebentaram no campeonato podem ganhar até R$ 10 mil.
Funciona assim: o jogador acabou de fazer uma Copa boa, foi artilheiro do time ou decidiu um clássico (e se o jogo for na Arena Kaiser, melhor ainda: todo mundo aparece nessas ocasiões). Pode apostar. Vai receber uma bolada no ano seguinte. E como acontece essa negociação?
Nas equipes menores, o dirigente vai até o vestiário no fim da partida e já fala em proposta. Quando você entra no radar dos mais fortes, a coisa é diferente. Conseguem o número do seu telefone e te chamam para tomar uma cerveja. E nessa cervejinha que vem a proposta.
Essa história é tão comum que nós, jogadores, fazemos até apostas para ver quem vai ser mais assediado. O mundo da várzea, nesse nível mais alto, não é tão grande. Jogador não tem um só time, mas dois ou três. Os grandes nomes acabam jogando juntos uma hora ou outra. Se não é na Copa Kaiser, é no Amador de Diadema, nos torneios do ABC, em Mauá. Nós temos até um churrasco de fim ano marcado: quem recebe menos ligações paga a conta. Não vou falar quem perdeu, mas no ano passado, o cara que ganhou recebeu 12 ligações. E mudou de time.
Mas você tem de tomar cuidado para não acreditar em tudo o que as pessoas falam. Na várzea, tem muito “garganta”. Gente que fala que está recebendo uma coisa, mas é só metade daquilo. Ele só está vendendo o peixe dele, aumentando o passe. Fala que está ganhando um valor para, no ano seguinte, trocar de time e receber aquilo que “garganteou”.
E tem time que faz isso também e dá um passo maior do que a perna: promete coisa que não pode dar. Por isso, hoje eu só aceito ir para time que tem alguém que eu já conheço. Não dá para atravessar a cidade e não saber se o que foi combinado vai ser cumprido. Várzea é na palavra. Não tem contrato. Vai reclamar com quem?
Eu já fiquei cinco meses sem receber. E olha que eu vivia da várzea. Não tinha emprego. Mas o time era da quebrada em que eu nasci. Nós fizemos uma reunião e dissemos: “Vamos fechar e dar o melhor que temos”. No final, ficamos entre os dez melhores. A grana ficou para trás. Mas valeu a pena.
* O jogador infiltrado é um veterano da várzea. A cada coluna, ele revela as verdades do terrão que as pessoas tentam esconder